Depois que os EUA invadiram o Iraque, o vice-cônsul dos EUA Paul Bremer tentou instalar lá um governo iraquiano escolhido por ele. O mais alto clérigo na hierarquia religiosa xiita no Iraque, o Grande Aiatolá Sistani, exigiu votação democrática. E a questão foi decidida. Não houve meio pelo qual os EUA conseguissem derrubar o édito de Sisitani, sem provocar revolta massiva dos 65% dos iraquianos, que são xiitas e seguem a orientação de Sistani. Bremer foi obrigado a curvar-se.
Agora, o mesmo Aiatolá Sistani tomou posição contra a invasão turca ao Iraque:
O mais alto clérigo dos xiitas iraquianos, o Grande Aiatolá Ali al-Sistani, ordenou ao governo do país, na 6ª-feira, que "não tenha qualquer tolerância" com agressões à soberania do país, depois que a Turquia infiltrou tropas pesadamente armadas no norte do Iraque.
O porta-voz de Sistani, Sheikh Abdul Mehdi Karbala'i, não nomeou explicitamente a Turquia, mas discussão sobre o deslocamento de tropas já azedou fortemente as relações entre Ancara e Bagdá, que nega ter concordado com qualquer ação dos turcos em território iraquiano.
"O governo iraquiano é responsável por defender a soberania do Iraque, e não deve tolerar nem aceitar agressões a ela, sejam quais forem as justificativas e necessidades" – disse Karbalai'i num sermão semanal.
A questão portanto está resolvida: as tropas turcas têm de sair do Iraque ou terão de derrotar todos os xiitas do Iraque (e do Irã). Se Erdogan fosse esperto, ordenaria imediatamente que todas as tropas turcas estacionadas perto de Mosul saíssem do Iraque.
O presidente Vladimir Putin da Rússia também aumentou a pressão sobre a Turquia:
O presidente Vladimir Putin ordenou às forças armadas russas, na 6ª-feira, que atuem com "dureza extrema" na Síria para proteger as forças russas que atacam, lá, alvos do Estado Islâmico.
"Todo e qualquer alvo que ameace nosso grupo (militar) ou infraestrutura (militar) em terra deve ser destruída imediatamente" – disse Putin, falando em evento do Ministério da Defesa.
Recado para Erdogan: Não apareça com ideias tresloucadas...
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Ontem, na Arábia Saudita, houve uma conferência de alguma 'oposição' síria, na qual os sauditas tentaram subornar tudo e todos para que se obtivesse uma posição comum. Mas a conferência fracassou. Estiveram presentes 116 delegados, todos sob "orientação internacional" de seus vários patrocinadores. Estava presente também um porta-voz do grupo Ahrar al Sham, membro da al-Qaeda, que coopera intimamente com a Frente al-Nusra, da al-Qaeda na Síria. Nenhuma mulher participou da conferência.
Dessa conferência resultou a decisão de fazer outra conferência. Os 116 delegados à conferência decidiram selecionar 33 delegados para participar de uma conferência para selecionar 15 delegados que se reunirão em conferência e talvez participem de alguma negociação com o governo sírio. Ben Hubbard, do NYT, que esteve lá, tuitou:
Ben Hubbard @NYTBen
...A conferência criou outro novo corpo de oposição, uma alta comissão, para supervisionar negociações.
Houve debate sobre o número de membros e que proporção deveria ser garantida aos grupos armados. No fim fixou-se o número de 32, mudado, depois da conferência, para 33.
Esses 33 têm agora a tarefa de escolher 15 pessoas para a equipe de negociadores. Quer dizer: é, grupos guarda-chuva fabricando novo guarda-chuva.
As demandas políticas decididas na conferência incluem impossibilidades totais, das que impedem qualquer negociação, como a exigência de que o presidente Bashar al-Assad da Síria teria de sair num prazo de até seis semanas depois do início das conversações. E viu-se lá essemuito esclarecedor jogo de palavras:
Os delegados islamistas opuseram-se ao uso da palavra "democracia" no documento final da reunião; então se usou a expressão "mecanismo democrático", segundo informou um membro de um dos grupos que participou da conferência.
O delegado do grupo Ahrar al-Sham presente à conferência assinou o acordo, ao mesmo tempo em que os manda-chuva do Ahrar al Sham, que não apareceram, amaldiçoaram o acordo e anunciaram que se opõem totalmente a ele. Exigem que se crie um Estado Islâmico na Síria, que seguiria a linha salafista militante do próprio grupo. Hubbard, novamente:
Ben Hubbard @NYTBen
Re: @Ahrar_Alsham2. O principal delegado deles não saiu. Antes do fim da conferência, membros não presentes distribuíram comunicado anunciando a saída dele.
O moderador da sessão disse que o delegado do grupo Ahrar não tinha conhecimento do comunicado do próprio grupo até bem depois de encerrada a reunião e que, sim, ele assinou o comunicado final.
Na sequência, membros do Ahrar members como @aleesa71 e @a_azraeel lastimaram pelo Twitter, sugerindo que haveria divisão entre os líderes militares e políticos.
Os governantes wahhabistas sauditas e qataris querem que o Ahrar al Sham esteja presente em qualquer solução futura na Síria. Contrataram think-tanks 'ocidentais' como Brookings Doha, para construir toda a propaganda que afirma que Ahrar seria "moderado".
Mas Ahrar não pode ser simultaneamente "moderado" e juntar-se à al-Qaeda e matar civis porque sejam "infiéis". Criou-se assim uma posição bem pouco confortável. Se o grupo toma parte em alguma conferência de paz com o governo sírio, seus aliados da Frente al-Nusra os fritam; se não tomam parte nas conversas, os financiadores sauditas e qataris os assam.
Desde o início da guerra na Síria jamais houve qualquer unidade na oposição ao governo sírio. Os EUA, sob a forma de John Brennan, chefe da CIA, aliou-se (mais uma vez) com a al-Qaeda; e o Departamento de Estado tentou patrocinar alguém mais "moderado". Foi quando começou o caos que persiste até hoje.
Para impedir mais e mais tiros pela culatra, por conta dessa estratégia alucinada, obviamente será preciso que os EUA mudem de posição e passem a apoiar o governo de Bashar al-Assad. É muitíssimo improvável que os EUA sejam capazes de visão assim tão esclarecida e flexível.
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Blog do Alok
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