6/1/2016, Pepe Escobar, RT
A Arábia Saudita é paraíso de degoladores. Mas aquele pesadelo construído de ‘marketing’/Relações Públicas enfrenta – e quem diria?! – uma crise de petróleo. Mais uma vez, o xis da questão é – e quem diria?! – o ouro negro.
Até aqui, toda a ‘estratégia’ de energia da Casa de Saud resumiu-se a cortar a própria produção de petróleo, custasse o que custasse, até o ponto de ter emitido bonds para cobrir seus déficits massivos.
Agora, a estratégia parece ter dado um passo de ‘aprofundamento’, mediante provocação flagrante: a execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr.
A Casa de Saud crê que, soprando para fazer subir as chamas de um confronto Riad-Teerã, pode fazer subir também o fator medo na esfera da oferta de petróleo, o que levaria a preços mais altos (de que Riad muito carece), ao mesmo tempo em que preserva o Santo (wahhabista) Graal de deixar fora do mercado o petróleo iraniano, que está a poucas semanas de começar a jorrar.
Desde o início, Riad apostou na possibilidade de sanções relacionadas a energia extra contra o Irã, no caso de Teerã responder belicosamente à provocação-decapitação. Claro que os iranianos são sofisticados demais para cair nesse tipo de armadilha burra.
Corretores de petróleo do Golfo Persa confirmaram que o orçamento dos sauditas para 2016 Saudi está calculado para preço médio do cru em apenas $29 por barril, como Jadwa Investment noticiou em primeira mão, em Riad. Se se analisa do ponto de vista do dilema do orçamento da Casa de Saud, é absolutamente insustentável.
A Casa de Saud é o maior exportador dentre os países da OPEP. Mesmo assim, o húbrisdoentio supremo os empurra a fazer qualquer coisa, obcecados com negar ao Irã qualquer vantagem em exportações – o que será inevitável, especialmente na segunda metade de 2016. Mais importante que tudo isso, a estratégia do preço baixo não se aplica só ao Irã: é parte, também, da guerra do petróleo contra a Rússia.
Alguém em Riad está errando na matemática. A estratégia saudita de baixo preço castigou muito duramente a Rússia – segundo produtor mundial.
Mas os sauditas jamais esperaram que a provocação-decapitação levaria simultaneamente (i) fazer gorar um acordo OPEP-Rússia para reduzir a produção e a preços mais altos, o que beneficia sobretudo – adivinhem! – Irã e Rússia.
Seis meses para destruir a Rússia
Pode-se dizer que a estratégia da Casa de Saud, de preço baixo do petróleo, foi, desde o início, uma espécie de haraquiri wahhabista em câmera lenta (o que não chega a ser má ideia).
O orçamento da Casa de Saud colapsou. Riad está financiando uma guerra que jamais vencerá, extraordinariamente cara, contra o Iêmen e financiando e armando todos os tipos de jihadistas salafistas na Síria, e está gastando fortunas para manter e promover al-Sisi no Egito, contra qualquer ofensiva possível do Daech (Estado Islâmico) e/ou da Fraternidade Muçulmana. E como se não bastasse, internamente a sucessão é confusão real, com o guerreiro-em-chefe do rei Salman, Mohammad bin Salman, 30 anos, despejando para todos os lados, diariamente, o seu mix tóxico de arrogância e de incompetência.
Como se poderia prever, Riad está mais uma vez seguindo ordens de Washington.
O governo dos EUA tenta freneticamente manter baixo o preço do petróleo, tentando assim destruir a economia russa, servindo-se para isso dos produtores do Golfo, que estão bombeando tudo que podem, sem parar. Significa nada menos que 7 milhões de barris/dia a mais, acima da quota da OPEP, segundo corretores de petróleo no Golfo. O governo dos EUA crê que pode(ria) destruir a economia russa – outra vez –, como se o relógio tivesse voltado para 1985, quando o ‘empanturramento’ global [orig. global glut[1]] chegava a excedente de 20% na oferta de petróleo, e a União Soviética estava atolada no Afeganistão e sangrava mortalmente também internamente.
O petróleo caiu a $7,00/barril em 1985. E é para esse algarismo baixíssimo que o governo dos EUA tenta agora empurrar o preço. Mas hoje o excedente é de menos de 3% da oferta, não os 20%, de 1985.
O excedente hoje é de apenas 2,2 milhões de barris/dia, segundo a Petroleum Intelligence Weekly. O Irã extrairá cerca de 600 mil barris/dias de petróleo novo em 2016. Significa que adiante, esse ano, teremos excedente potencial de 2,8 milhões de barris.
O problema é, segundo corretores de petróleo no Golfo Persa, uma redução anual de 7 milhões de barris/dia na oferta, e que não pode ser revertida, dado o colapso na perfuração. Implica que aquele excedente de petróleo pode ser varrido logo no primeiro ou segundo trimestre de 2016. Em meados de 2016, os preços do petróleo devem começar a subir dramaticamente, mesmo com o petróleo iraniano adicional.
Assim sendo, a estratégia dos EUA já entrou em metástase e tenta agora destruir a economia russa antes que o preço recupere-se inevitavelmente. É uma ‘janela de oportunidade’ para o governo dos EUA de apenas seis meses.
Como tudo isso andou tanto, até chegar ao ponto em que chegou, testemunha, mais uma vez, a força irresistível dos manipuladores de Wall Street, usando ‘compensação em caixa':[2] são capazes de criar um crash onde praticamente não há nenhum excedente na oferta de petróleo. Mas mesmo que o Império do Caos manipule freneticamente o preço do petróleo tentando derrubá-lo a qualquer custo, pode acontecer de o preço não cair tão depressa que destrua a economia russa.
Até a Reuters foi forçada a admitir, rapidamente, que o excedente de petróleo é de menos de 2 mi barris/dia, e até pode ser alarmantemente inferior a 1 mi barris/dia. Em seguida, a Reuters voltou à conversa do petróleo ao preço-mais-baixo-de-todos-os-tempos. Essa informação sobre o excedente real de petróleo foi, até agora, completamente censurada. Ela confronta testa contra testa a narrativa norte-americana dominante, de excedentes que durariam por toda a eternidade e de iminente colapso da economia russa.
Quanto à Arábia Saudita, não passa de peão pequeno, em jogo muito mais nefando.
Diz o bom senso que agora só se trata, essencialmente, de um Daech vestido de preto (o falso ‘Califado’) e um Daech vestido de branco (a Casa de Saud). Afinal, a matriz ideológica é a mesma, degolamento e tudo. O próximo estágio da guerra do petróleo decidirá, provavelmente, qual dos dois Daechs cairá primeiro.
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