Traduzido por Vila Vudu
A reaplicação e o aprofundamento de “sanções” que EUA e Europa impõem à Rússia, e a ameaça de novas “sanções” agora contra o Irã – armas usadas há muito tempo contra qualquer nação que não obedeça aos diktats daqueles ‘sancionadores’, de Cuba à China, do Zimbabwe à Venezuela, são mais e mais afrontas contra os povos russo e iraniano. Falsas esperanças surgidas em alguns grupos, de que os vassalos europeus dos EUA agiriam com independência e buscariam maior cooperação com Rússia e Irã, mais uma vez se mostraram irrealistas, baseadas numa avaliação errada de o quanto alguns setores comerciais estariam desgostosos ante o efeito das “sanções” sobre economias europeias.
É sem dúvida correto que vários setores daquelas economias estão sofrendo por causa dessa guerra econômica, mas o regime em Washington e os regimes dependentes na Europa estão de olho em peixe maior, e dispostos a tolerar algum incômodo.
O peixe maior é, claro, o controle total sobre os recursos de Rússia e Irã e de toda a Eurásia. Esperam chegar ‘lá’ minando os governos dos países alvos até derrubá-los, e substituí-los por fantoches completamente dóceis, de modo que os recursos nacionais, em todos os casos, possam ser explorados até a exaustão, como bem entendam. Mas se não funcionar, já há planos traçados para mais e mais guerras os quais, como qualquer um vê, já estão sendo postos em ação.
Os norte-americanos estão operando numa estratégia de “guerra real e conversa falsa”, e vez ou outra dão sinais de que estariam abertos à cooperação; mas sempre usam as negociações para montar o cenário da agressão seguinte. Já fizeram isso incontáveis vezes contra a Rússia; e conseguiram forçar o Irã a entregar parte da própria soberania no que tinha a ver com desenvolvimento do programa nuclear iraniano para finalidades pacíficas, em troca de promessa de aliviar a guerra econômica contra o país.
Mas o Irã está aprendendo, como Rússia e como Cuba já sabem tão bem, que ninguém deve confiar nos norte-americanos, e que por baixo das obviedades que vivem de ‘anunciar’, os norte-americanos sempre fazem avançar sua agenda sempre agressiva.
Quanto à Rússia, todos os domínios foram explorados para pressionar a nação, desde a grosseria e a imbecilidade de os EUA não enviarem representante para assistir ao Desfile da Vitória em Moscou, num chilique de ressentimento tolo porque o Exército Vermelho venceu a 2ª Guerra Mundial na Europa, até a campanha para desqualificar a Rússia e os atletas russos na preparação para a Copa do Mundo de Futebol, e até os continuados insultos pessoais dirigidos ao presidente Putin, e até a derrubada de um jato russo e o assassinato do piloto por assassinos turcos, com os EUA aprovando o crime; e até, também, a mais recente farsa encenada por ONGs ligadas a CIA-MI6, como Anistia Internacional e Observatório Sírio, a inventar que a Rússia teria usado bombas de fragmentação na Síria contra civis.
A Rússia nega, e os EUA são obrigados a admitir que não têm como provar aquelas ‘acusações’. Mas a hipocrisia é estarrecedora, porque a OTAN, sim, usou bombas de fragmentação e todos os tipos de armas proibidas aos milhares, quando atacou a Iugoslávia e em outras de suas guerras pelo mundo. Israel, estado-cliente dos EUA, também usa frequentemente essas bombas de fragmentação; e há notícias de que a Arábia Saudita também as está usando no Iêmen.
Notável é que o governo russo consiga manter-se perfeitamente calmo e composto, profissional e diplomático como todos o temos visto, considerando-se que as sanções foram atentamente planejadas para tentar incapacitar e paralisar setores chaves da economia russa.
A razão declarada para continuar e aprofundar a agressão econômica contra a Rússia, é que os Tratados de Minsk não estarão totalmente implementados até o final do ano. Mas são a junta em Kiev e seus contrapartes europeus e norte-americanos que se recusaram a implementar as provisões chaves daqueles acordos, não a Rússia, que fez de tudo para que os acordos acontecessem e funcionassem.
Evidentemente, não há “sanções” correspondentes contra a junta em Kiev e a guerra sem trégua que faz ao próprio povo, a destruição da democracia e do livre debate político na Ucrânia, a tolerância com grupos declaradamente fascistas e paramilitares, ao mesmo tempo em que o Partido Comunista é extinto; a recusa evidente a cumprir o que prometeu em Minsk. Não. “Sanções”, só contra a Rússia.
Evidentemente, a questão ‘Minsk’ não passa de pretexto. É o que se deduz da ameaça que os EUA fizeram, de que, se a Crimeia não for devolvida ao controle do regime de Kiev, as “sanções” não serão levantadas. Dado que os EUA sabem que tal coisa jamais acontecerá, é o mesmo que dizer que as “sanções” serão eternas. Assim se vê que o verdadeiro objetivo é encontrar motivo, seja qual for, para manter a agressão do ‘ocidente’ contra a Rússia, com vistas a alcançar o objetivo estratégico maior.
A mesma lógica aplica-se ao Irã. Não importa quanto o pais aceite e ceda dos próprios princípios no esforço para evitar guerra, jamais será suficiente, enquanto o Irã insistir em manter postura de país soberano e independente. A guerra econômica continuará enquanto os EUA conseguirem mantê-la. No caso de Cuba, foram 55 anos.
O pretexto variará conforme o momento e a circunstância, mas a estratégia não muda. É guerra. Mais uma guerra dos EUA contra país que não o agrediu, guerra ilegal e imoral, contra um povo inteiro – de fato, contra vários povos inteiros, em vários cantos do mundo –, para garantir ganhos privados de elites proprietárias no ‘ocidente’, cuja única preocupação é aumentar sempre os próprios lucros à custa de todo o resto da humanidade.
Tenho usado o termo “sanção” entre aspas, porque essa acepção não é precisa; “Sanção” significa garantir alguma recompensa por obediência, e algum castigo por desobediência, a alguma lei. Há outros significados para a palavra, mas todos definem a mesma condição-obediência de vassalo a mestre, de súdito a monarca, de prisioneiro a carcereiro. A condição implica necessariamente que a pessoa que aplica a sanção está em posição legal superior à da pessoa a ser sancionada; que o superior tem direito legal de aplicar a sanção e de que há sistema de leis vigentes segundo o qual as sanções são discutidas, acordadas e permitidas.
Essa é a definição ‘de lei’. Mas todos os dias se ouve falar de “sanções” impostas a Rússia e Irã, ou a Cuba e Venezuela, por razões que o mundo inteiro sabem que são falsas, baseadas numa suposta autoridade legal que não existe no mundo, baseadas em leis que jamais foram legalmente criadas, e impostas por governos nacionais que só têm, para apoiar uma grande presunção, a sua ainda maior arrogância; e que aquelas nações impõem-se como se fossem superiores às demais, porque é como se não existisse nenhuma soberania e nenhuma pressuposta igualdade entre as nações. Como se os diktatsdos EUA fossem ordens a serem obedecidas por gente inferior, que rasteja abaixo deles.
Uma vez que restrições econômicas sobre atividades bancárias, as finanças e o comércio impostas contra Rússia e Irã pelos EUA e seus estados subalternos na aliança da OTAN absolutamente não correspondem à definição de sanção[1] [ing. sanction], é útil usar a expressão correta para explicar o que são essas restrições. E só há uma palavra que explica abrangentemente tudo: guerra.
E, dado que não é forma de guerra admitida na Carta da ONU, não há dúvidas de que configuram crimes de guerra econômicos, agressão econômica, pelos quais algum dia haverá pena a exigir e pena a pagar, de um modo ou de outro.
O cap. VII, art. 41 da Carta da ONU diz que o poder para interromper completamente ou parcialmente quaisquer relações econômicas existe, e que ele compete exclusivamente ao Conselho de Segurança: é poder que só o CS pode exercer. Em nenhum outro espaço legal do mundo se fala desse poder e nenhum outro corpo, no mundo, exceto o Conselho de Segurança da ONU, tem esse poder.
Mais uma vez, a questão volta a ser, como quase sempre é, a palavra “guerra”. É claro que a tentativa de estrangular economicamente Rússia e Irã é tentativa de “punir” esses países e povos por prática de supostos crimes relacionados à defesa das respectivas posições estratégicas e da respectiva soberania. É também uma estratégia que visa a enfraquecer aquelas nações como forças que possam opor-se e resistir contra, em geral, qualquer agressão pela OTAN. A ONU foi literalmente burlada, atropelada, é como se nem existisse.
Depois que uma guerra começa, fatalmente tem de seguir seu curso até o fim lógico. Dado que a guerra econômica contra a Rússia não conseguiu que a Rússia capitulasse na defesa dos russos da Crimeia, do Donbass e da Síria, praticamente já não se pode duvidar de que a agressão econômica escalará até que o confronto armado se torne incontornável, com risco de guerra nuclear.
A Turquia, operando como mão-de-gato a serviço de Washington, Já atacou forças russas na Síria. A Rússia respondeu com admirável autocontrole àquele ato de guerra, limitando sua resposta ao domínio econômico, legítima expressão do direito dos russos à autodefesa. Mas a guerra econômica que o ‘ocidente’ faz hoje é guerra não provocada – mais um crime que viola a lei internacional –, é guerra de natureza imperialista e claramente não tem limites.
O presidente Putin em vários discursos têm conclamado as nações a não atropelarem a lei internacional e muito insiste na necessidade de que se restabeleça o respeito à lei internacional. Está certíssimo, mas não se sabe que novo sistema legal internacional se poderá restabelecer e como seria implantado.
Durante o período soviético, falava-se de “lei internacional”, mas, embora existissem princípios de lei que todos de modo geral aceitavam. Hoje, é difícil ver que princípios aceitos aproximadamente por todos se poderiam fixar como lei internacional.
A concha vazia a que então se chamava “lei internacional” realmente partiu-se depois do fim do Muro de Berlim, e o que temos hoje é não passa de pergaminhos ralos, palavras altissonantes e esperanças genuínas, mas já frustradas.
A lei é reflexo da estrutura econômica, social e política da sociedade que a cria. A lei internacional, num mundo em caos, já está convertida em lei do gângster, do pirata, do assaltante de beco. A toca deles todos é Washington, Londres e Bruxelas.
* Christopher Black é advogado criminal internacional. Vive em Toronto. É membro da Law Society of Upper Canada, conhecido por sua ação em casos internacionais de agressão a direitos humanos e crimes de guerra. Escreve regularmente para “New Eastern Outlook”.
[1] Em português, a palavra “sanção” tem duas acepções diametralmente opostas, o que torna o significado dessa palavra impressionantemente ambíguo e vazio, quando ela é usada sem referência a contexto conhecido de todos: (a) Sanção penal = pena que a lei impõe a um crime; e (b) Sanção social = aprovação que a sociedade ou qualquer grupo dá a um comportamento (ex. a sociedade sanciona o casamento homoafetivo, no sentido de que aceita, dá sua sanção, ao casamento homoafetivo).
Dado que os EUA não são nem (a) a lei; nem (b) a sociedade, dizer-se, em português que “EUA sancionaram a Rússia” significa rigorosamente e perfeitamente NADA que se possapensar; cria-se assim uma ocorrência de “significado zero”, que os falantes aprendem exclusivamente a repetir, adotando a expressão como verdadeira, mas sem qualquer possibilidade de discutir e de verificar significado real algum. É a prática frequente do chamado ‘golpe linguístico’. Parece que o mesmo acontece também em inglês (a verificar) [NTs].
Oriente Mídia
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