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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Elijah J. Magnier: EUA e Rússia à beira do abismo na Síria - Curdos sírios, os que mais perdem


Traduzido pelo coletivo da vila vudu

A batalha entre aliados dos EUA e aliados da Rússia está em flagrante escalada no nordeste da Síria, criando risco real de que as superpotências deslizem para confronto direto, para protegerem cada um os próprios interesses. Mas ao final, Washington absolutamente não vencerá na Síria, e seus aliados – liderados pelos curdos sírios sob a bandeira de "Forças Democráticas Sírias, FDS [ing. Syrian Democratic Forces, SDF) – pagarão o mais alto preço.
Claro que os falcões de Washington acreditam que possam provocar ou intimidar Moscou na Síria: EUA já bombardearam o aeroporto militar sírio de Shyay’rat onde havia forças russas estacionadas, com outras unidades sírias. Além disso, jatos de Washington bombardearam aliados russos já três vezes consecutivas, perto do posto de fronteira entre Síria e Iraque, em Al-Tanf. E, por último, mas não menos importante, recentemente a Força Aérea dos EUA derrubou um drone iraniano e um jato sírio Su-22 que tinham por alvo a área do grupo terrorista ISIS, quando forças curdas apoiadas pelos EUA avançavam sobre a cidade de Rusafa na parte rural de Raqqa.

Todas essas ações militares hostis dos EUA foram executadas ilegalmente em território sírio e contra o Exército Árabe Sírio, não contra grupos terroristas. Os EUA não têm jurisdição legal nem qualquer tipo de mandado ou consenso judicial para atacar o Exército Árabe Sírio em território sírio, especialmente no caso de o objetivo dos EUA ser, como na verdade é, apoiar a divisão de um país independente, não combater grupos terroristas. Só tem a ver com a influência e o controle de Washington naquela parte do território sírio, necessários no nordeste da Síria para ocupação sem qualquer legítimo apoio internacional, com vistas a estabelecer aeroportos militares e uma base em Bilad al-Sham.

Obviamente, Washington dá pouca atenção à possível reação de Moscou contra ações militares dos EUA contra aliados dos russos na Síria, enquanto os EUA avançam para ocupar território sírio. Mas a Rússia está respondendo, bombardeando aliados de Washington na Síria. É altamente provável que jatos dos EUA bombardeiem acidentalmente forças russas unidas a grupos sírios; e claro que jatos russos podem bombardear Forças Especiais dos EUA infiltradas entre os seus 'representantes' curdos e que operam no norte da Síria. Exatamente aí a situação pode muito rapidamente escapar de qualquer controle e o prestígio das superpotências estará comprometido se qualquer dos lados forçar reação não desejada, mas praticamente inevitável. E isso empurrará o Oriente Médio para outra dimensão de destruição, que pode afetar todo o mundo.

O principal aliado da Rússia na Síria, o Irã, está fazendo subir o nível de tensão em relação às forças dos EUA em Bilad al-Sham:

– Já injetaram milhares de novos soldados para recuperar os 55 mil quilômetros quadrados da Estepe (Badiya) Síria, e conseguiram derrotar os 'representantes' dos EUA (Usud al-Sharqiyah) e o ISIS no semideserto do sudeste da Síria: até esse momento mais de 25 mil quilômetros quadrados já foram recuperados, da província Suwaida até o sul da fronteira de al-Tanaf.

– O Irã infiltrou soldados acima de Tanaf (onde estão estabelecidas forças dos EUA) para fechar o caminho nordeste para Deir al-Zour, estabelecendo assim nova linha de demarcação e isolando os EUA em al-Tanaf.

– O Irã coordenou com o Iraque o avanço das forças de segurança iraquianas em al-Tanaf, a partir do lado iraquiano da fronteira, para bloquear forças dos EUA. Tropas iraquianas movem-se para o norte, de al-Tanaf na direção de al-Qaem para encontrar o Exército Árabe Sírio e aliados ao longo da fronteira.

– O Irã lançou seus mísseis balísticos com alcance de 700 km, os “Zulfuqar” (nome da espada do primo do profeta Maomé, quarto califa e primeiro imã xiita Ali Bin Abi Taleb), mas também tem mandado múltiplas mensagens domésticas (vingança contra o duplo ataque terrorista) e mensagens internacionais para os EUA e aliados no Oriente Médio, apenas 24 horas depois de os EUA lançarem leis de restrição contra o programa de mísseis iranianos. 

Teerã absolutamente não dá qualquer atenção às 'decisões' dos EUA e diz claramente aos EUA que elas não serão tomadas em consideração; que o braço do Irã é longo e pode atacar em todo o Oriente Médio (Israel, Arábia Saudita, bases militares dos EUA no Oriente Médio), e que o Irã não tem qualquer preocupação com as regras supostas convencionais. Que o país pode atacar qualquer alvo, quando desejar e onde desejar; o Irã lançou mísseis do Curdistão-Irã, a mesma província de onde os curdos iranianos do ISIS lançaram seu duplo ataque terrorista esse mês, contra instituições iranianas.

O Irã também lançou seus mísseis contra o ISIS na cidade de Deir Al-Zour (sitiada há 30 meses, e onde estão 100 mil-150 mil civis) e em al-Mayadeen para enfatizar a importância da Síria e da cidade de Deir Al-Zour (jatos dos EUA e aliados contribuíram para quebrar a linha de defesa do Exército Árabe Sírio, quando atacaram suas posições, ano passado, nas montanhas Tharda acima do aeroporto de Deir Al-Zour). Esse específico bombardeio por forças dos EUA durou várias horas e matou mais de 100 soldados e oficiais do Exército Árabe Sírio em Tharda e deu vantagem aos terroristas do ISIS, ao lhes permitir avançar para dentro do perímetro do aeroporto (única via aérea de suprimento da cidade sitiada) e permitindo que o ISIS dividisse a cidade em duas partes. A mensagem do Irã é bem clara: não permitirá que Deir al-Zour caia e fará qualquer coisa, com os próprios aliados, para romper o sítio dessa cidade nos próximos meses.

Na sequência da escalada na Síria, a Rússia está mandando mais mísseis de Defesa para a Síria. Damasco não hesitará em bombardear jatos da 'coalizão' norte-americana, especialmente porque Moscou mantém suas forças em terra e tem a missão de protegê-las contra qualquer reação dos EUA. Moscou pôs fim à cooperação com os EUA na Síria, suspendendo temporariamente a linha de desconflitação (que se espera que seja restabelecida em breve) e lançou um alerta bem claro, de que a Rússia tomará como alvo qualquer objeto que voe a oeste do Rio Eufrates.

Enquanto tudo isso se desenrola, forças iraquianas movem-se ao longo da fronteira com a Síria, informando às forças dos EUA que o Iraque está cooperando com Damasco e nada tem a ver com qualquer projeto que os EUA tenham para a região. Depois que o ISIS estiver derrotado, Bagdá não aceitará a presença de qualquer força dos EUA em seu território. Os EUA manterão um contrato de treinamento com o governo do Iraque, não influenciarão nas decisões e no relacionamento do país com seus vizinhos, inclusive Síria e Irã.

Todas as forças em solo – exceto os curdos e alguns remanescentes de forças da oposição síria armada – estarão trabalhando contra os EUA na Síria, a começar pelo ISIS (como insurgentes depois que a guerra terminar na Síria e no Iraque), Al-Qaeda (jurou atacar os EUA em todos os cantos do mundo), Turquia (que recusa o apoio que os EUA dão à autonomia dos curdos na Síria), Damasco (atacará os curdos depois que o ISIS for expulso do território) e aliados da Síria (Irã, Hezbollah e milícias iraquianas na Síria), todos esses estão esperando o momento adequado para atacar forças dos EUA, nas linhas do que o Hezbollah fez em Beirute (quando explodiu o quartel-general dos Marines e a Embaixada dos EUA no Líbano, nos anos 80s). 

Significa que os EUA fizeram incontáveis inimigos e poucos amigos, que se verão abandonados, porque não restará alternativa a Washington que não seja abandonar também os amigos, mais cedo ou mais tarde. Sabe-se bem que os EUA não têm amigos, só parceiros de negócios e interesses comuns. Quando cessarem os interesses dos EUA na Síria, os soldados não terão alternativa além de deixar o país.

Os curdos sírios seculares erraram ao adotar política diferente, que jamais foi adotada pelos curdos iraquianos. Declararam hostilidade a Damasco e aliaram-se aos EUA e aliados na região (a Arábia Saudita wahhabista salafista). Os curdos adoraram posição anti-Irã e aceitaram que seus militantes se convertessem em lenha a ser queimada para recuperar a cidade de Raqqa, de maioria árabe, sofrendo baixas consideráveis só para promover um plano dos EUA de fixar bases militares no nordeste da Síria. 

Esses curdos serão, no futuro, os principais perdedores: as forças de Damasco e aliados estão recuperando territórios pelo lado curdo e avançando na área rural de Raqqa, para impedir que milícias 'representantes' dos EUA expandam-se e ocupem o campo de petróleo a oeste do Rio Eufrates.

Os curdos serão "O" inimigo, depois de o ISIS ser derrotado. Durante os longos anos da guerra síria, os curdos permaneceram como aliados silenciosos e parte da Síria. Damasco estava pronta para discutir uma Federação Curda, depois do fim da guerra, desde que permanecesse como parte da Síria. Hoje, os curdos aceitaram a função de forças 'representantes' dos EUA, perseguindo ainda um sonho de federação autônoma que foi esmagada primeiro pela Turquia (dividiu Rojava em dois, quando ocupava o corredor de Jarablus a al-Bab), e que hoje será também atacado por Damasco.

A Síria jamais aceitará uma federação curda que garanta proteção para os EUA como força ocupante. De fato, a hostilidade contra soldados de Washington já alcançou níveis sem precedentes no Levante e na Mesopotâmia, e mostra que a decisão dos curdos, de se alinharem aos EUA (e à Arábia Saudita), não passa de estratégia suicidária, inacreditavelmente ingênua. 

Vê-se assim claramente que os EUA só terão inimigos no Levante e terminarão por também perder até os seus amigos temporários curdos.


Só a Rússia e seus aliados, que trabalham com determinação, consistência e força consideráveis na Síria, lá estarão, no final como força vitoriosa.

blogdoalok

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