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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Arábia Saudita enreda-se na política xiita no Iraque, por MK Bhadrakumar

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Traduzido pelo coletivo da vila vudu

O dramático aparecimento do político iraquiano xiita linha-dura Muqtada Al-Sadr em Jeddah no domingo e seu encontro com o príncipe coroado Mohammed bin Salman (MBS) abrem uma página excitante nas rivalidades regionais entre sauditas e iranianos. O teatro está mudando a favor do Iraque.
Resumidamente, o que acontece ali é uma aplicada tentativa pelos sauditas de reiniciar do zero o cálculo do poder num Iraque pós-ISIS, modelando um novo alinhamento político que visa principalmente a minar a influência dominante que o Irã teve sobre o vizinho ao longo da última década depois do empoderamento dos xiitas na sequência da invasão pelos EUA em 2003.
A principal plataforma na paisagem política iraquiana era o guarda-chuva da coalizão xiita conhecida como Supremo Conselho Islâmico no Iraque [ing. Islamic Supreme Council in Iraq (ISCI)], criado por Teerã nos idos de 1982, originalmente como movimento xiita de resistência contra Saddam Hussein, e mais recentemente, desde meados da década passada, depois da derrubada de Saddam, como frente unida para contestar as eleições democráticas no Iraque com uma agenda construída para preservar a liderança xiita no governo.

Resumindo muito, o Supremo Conselho Islâmico no Iraque está em tumulto por causa de rivalidades latentes entre vários grupos que o constituem. (A política xiita sempre foi, tradicionalmente, muito fracionada, inclusive no Irã.) Agora, a divisão também tem a ver com um forte ressentimento subterrâneo por causa do domínio que o Irã exerce sobre a política iraquiana. (Para os não iniciados, outra vez: ninguém deve jamais subestimar a potência do nacionalismo iraquiano – legado paradoxal da era Saddam – que supera as clivagens étnicas e sectárias.)

Importante também, a nova geração da poderosa família Hakim, liderada por Ammar Al-Hakim separou-se do Supremo Conselho Islâmico no Iraque e transferiu sua fidelidade, do Aiatolá Khamenei do Irã, para o Grande Aiatolá Ali Al-Sistani do Iraque. Assim também, Muqtada al-Sadr, que saíra da órbita do Irã, assumiu uma plataforma nacionalista não sectária em anos recentes. Mais uma vez, dentro do partido islâmico governante, o Partido Dawa, que é principal componente do Supremo Conselho Islâmico no Iraque, há uma luta interna pelo poder entre o primeiro-ministro atual, Haidar Al-Abadi, e o ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki. (Atualmente, Maliki é o favorito do Irã; e, interessante, Al-Abadi visitou recentemente a Arábia Saudita, visita durante a qual foi anunciado que os dois países formaram um 'conselho de coordenação' para reforçar relações estratégicas com vistas a resolver as questões de laços tumultuosos com 'outros estados árabes'.)

É onde entra a Arábia Saudita. Muito obviamente os sauditas estão vendo uma janela de oportunidade para saltar sobre a jugular do Irã, quebrando irrecuperavelmente o Supremo Conselho Islâmico no Iraque e promovendo, para substituí-lo, uma nova coalizão complexa não sectária que acolha as facções xiitas que se ressentem da hegemonia do Irã. Sem dúvida, é tentativa audaciosa com a meta de reunir – fácil adivinhar – Muqtada al-Sadr, Ammar Al-Hakim e Al-Abadi – todos falando a mesma voz.

O príncipe coroado MBS é o cérebro por trás desse movimento audacioso dos sauditas para manipular a política xiita no Iraque. Pode-se dizer que o plano de jogo dos sauditas tem algo de positivo, dado que parece antever um realinhamento não sectário na política do Iraque, encorajando um reagrupamento das facções xiitas que dão primazia ao nacionalismo iraquiano, sobre as políticas identitárias que buscavam até bem recentemente. Por sua vez, MBS provavelmente convencerá aquelas facções xiitas a trabalhar com as facções iraquianas sunitas e com os curdos. (Vale lembrar que os sauditas inauguraram recentemente um consulado em Erbil, capital do Curdistão no norte do Iraque.)

Os mais céticos diriam que os sauditas trabalham numa outra agenda perversa para: a) quebrar a unidade xiita no Iraque; b) dar poder a grupos sunitas como elite governante; e c) provocar um cisma entre "Xiitas Árabes" e "Xiitas Persas". A questão aí está, para ser julgada. Só o tempo dirá como se desdobrarão essas disputas. 

Claro que a iniciativa de MBS com vistas a manipular a política do Iraque conta com o apoio dos EUA e de Israel, posto que o objetivo final de MBS é isolar o Irã e 'diluir' na medida do possível a espetacular 'vitória' do Irã no conflito sírio.

E o Irã? Jogará a toalha e deixará o ring? Absolutamente não. O trunfo do Irã é a milícia xiita conhecida como Al-Hashd Al-Shaabi, que tem vastíssima experiência de combate, número estimado de mais de 120 mil combatentes e é exército semelhante ao Hezbollah: disciplinado e potente também no plano ideológico, com longa experiência da política da 'resistência'. Por falar nisso, Qassem Soleimani, o carismático comandante da Força Quds do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã, foi lembrado semana passada por ter dito que "o Daech (ISIS) foi contido porque a força Al-Hashd Al-Shaabi foi integrada ao exército do Iraque. Com isso, o exército do Iraque foi convertido num exército Hezbollah."


Isso, sim, é declarar fato estabelecido e claro. E a realidade em campo é que hoje, nas condições caóticas da guerra no Iraque, o poder flui pelo cano da arma. Stálin teria perguntado a MBS quantas divisões, somadas, Al-Haikm, Al-Sadr e Al-Abadi teriam sob seu comando? Esse número chegaria pelo menos à metade da força de Al-Hashd Al-Shaabi, o Hezbollah iraquiano, que o Irã treinou e equipou? Pouco provável. Teriam dado combate ao ISIS até derrotá-lo? Nunca. De jeito nenhum.

blogdoalok

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