Nascida no Kuwait, mas de origem síria, Hala usa o hijab, o que a torna um alvo fácil para membros do partido neonazista
Hala Akari, de 40 anos, é parte do conselho de integração de imigrantes da prefeitura de Atenas. Há 22 anos na Grécia, dona de um grego fluente e sem sotaque, ela lembra com carinho a chegada ao país, mas sente calafrios ao pensar nas transformações dos últimos dois anos, decorrentes da crise econômica. Hoje, sofre racismo diariamente, algo impensável para alguém que teve o pai ameaçado de deportação e, curiosamente, recebeu ajuda de uma então generosa polícia grega.
Nascida no Kuwait, mas de origem síria, Hala usa o hijab, o que a torna um alvo fácil para membros do partido neonazista Aurora Dourada. Ela relata abertamente o terror causado pela incursão de homens vestidos de preto, característica do traje do grupo, em bairros de imigrantes.
Apesar de já ter reportado casos de violência e racismo, nunca ouviu uma resposta convincente do corpo político grego. Pelo contrário. Percebeu que os casos eram tratados como “isolados”, pouco significativos, e que a polícia grega, alinhada com o Aurora Dourada, não é mais a mesma.
Hala Akari, em Atenas: "não temos apenas ódio e discriminação na Grécia, temos violência também"
Em uma manhã de novembro, Hala conversou durante uma hora com Opera Mundi em Keramikos, estação de trem no oeste de Atenas. Seu maior desejo, mesmo após duas décadas na Grécia, é abandonar o país. “Meu trabalho ficou impraticável”, disse.
Opera Mundi: Você diz que imigrantes que estão na Grécia há mais de 20 anos decidiram deixar o país?
Hala Akari: Sim. Pessoas que tinham seus trabalhos, que são fluentes em grego, estão indo para o exterior. Alguns voltam para seus países. Outros escolhem ir para países do norte europeu, onde a situação é melhor e conseguir trabalho é mais fácil. Alguns deles, muitos sírios, tentam asilo, já que não podem voltar para casa por causa da guerra. A Grécia está perdendo essas pessoas.
OM: Por que elas estão indo embora?
HK: Por causa da crise social. Racismo. Não estamos falando apenas do partido de extrema-direita [o Aurora Dourada, com contornos neonazistas], estamos falando da sociedade como um todo. Sempre há pessoas que odeiam estrangeiros, mas não dessa forma. A sociedade grega hoje está mudando e entrando nesse caminho, acha os imigrantes um alvo fácil. Como você é diferente, fica fácil dizer que você é a razão da crise. Sabemos que quando há uma crise a discriminação aumenta, mas não assim. Não temos apenas ódio e discriminação na Grécia, temos violência também.
OM: Os casos são relacionados com o Aurora Dourada?
HK: Podemos dizer que começaram com o Aurora Dourada. Temos registrado vários incidentes de violência. São pessoas que usam preto. Sabemos que são do Aurora Dourada, mas às vezes eles não têm o símbolo do partido na roupa, mas em outras sim. E muitas vezes eles enviam mensagens: “Estaremos nas ruas hoje”. Um aviso claro para que os imigrantes não saiam de casa.
OM: Pode dar um exemplo?
HK: Uma amiga minha enviou uma mensagem para mim, alertando para que eu tomasse cuidado. “Em dois bairros, Kipseli e Plati Amerikis, membros do Aurora Dourada estarão nas ruas a partir das sete da noite. Por favor, diga a todos os seus amigos a não ir para lá.” Mas, mais do que isso, todos os dias, depois das sete da noite, eles estão nas ruas, entram em ônibus e tróleis, tiram imigrantes dos veículos e pedem para ver os documentos. Eles não têm direito de fazer isso, mas fazem. Muita gente tem medo deles. Muitas vezes, a polícia sabe, vê, mas não faz nada.
OM: Como o governo tem reagido?
HK: Tentamos por muito tempo, na prefeitura de Atenas, explicar aos políticos que há um perigo real contra imigrantes. Muitos deles [que sofrem com os ataques] são paquistaneses ou dE Bangladesh e, por terem a pele mais escura, são reconhecidos facilmente. Se estiver sozinho, é comum que um grupo de cinco ou seis apareça para espancá-lo. Isso aconteceu e reportamos, mas os políticos diminuem a importância, falam que é um fenômeno pequeno que não precisa de discussão ou legislação. Quando todo o sistema político grego mudou, com deputados apenas em busca de votos, eles mesmos começaram a expressar racismo. Quando eles começaram a falar assim, a sociedade passou a adotar o mesmo discurso sem medo de punição. Se o primeiro-ministro [Antonis Samaras, do Nova Democracia, de centro-direita] fala assim, oras, podemos falar à vontade. Ficou bastante claro há dois anos.
OM: Quando você diz deputados se refere a membros do Aurora Dourada ou de todos os partidos políticos?
HK: Do Nova Democracia, do PASOK [de centro-esquerda]. Não esperávamos ouvir isso do PASOK, mas como era época de eleições, notaram o crescimento da direita e adotaram o mesmo discurso. “Isso não pode continuar. Nossa cidade precisa ser nossa cidade, Atenas não é mais grega...” Isso mostrou como não estão felizes com imigrantes. Mas ficou difícil mesmo quando vimos que 22 parlamentares do Aurora Dourada haviam sido eleitos. Foi um choque. Quem votou nessas pessoas? Descobrimos que muitos policiais votaram e muitas pessoas que acharam que “limpariam” seus bairros e teriam mais empregos à disposição. Sabe, as pessoas não gostam de ter de pensar muito nas coisas, preferem ver o preto no branco, bom e mau, grego e não-grego. E mesmo quem tiver nacionalidade grega, mas não for nascido na Grécia, deve ir embora e deixar a Grécia para os gregos.
OM: Você já sofreu racismo?
HK: No transporte público é diário. Outro dia eu estava no tróleibus e uma mulher subiu. Ela gritava e empurrava a todos. O veículo estava cheio de imigrantes da Rua Patission. Eu perguntei a ela por que estava empurrando as pessoas. Ela olhou para mim e disse: “Como você se atreve a falar comigo?” Eu respondi que sim. “Vocês são muçulmanas. Era só o que faltava uma muçulmana querer falar.” Ela estava longe e eu percebi que começou a conversar com uma amiga, que muçulmanos isso, muçulmanos aquilo. Eu a chamei para repetir tudo na minha frente. Eu falo grego muito bem, sem sotaque. Em meio a tudo isso, um homem grego começou a gritar com ela. “Não consigo aguentar a loucura de vocês! O que eles [imigrantes] fizeram para você? Eles não fizeram nada! É uma loucura, vocês me envergonham por ser grego.” Ela desceu na parada seguinte.
OM: Então há ainda uma parcela da população que defende os imigrantes.
HK: Sim, vemos que alguns gregos não aceitam o racismo. Mas normalmente você não consegue se defender, principalmente se não fala a língua corretamente. Muita gente prefere descer a ter de ouvir esse tipo de ataque. Muitas vezes vemos motoristas de ônibus dizendo a homens negros para saírem do veículo. Quem iria defendê-lo? A polícia faz com que você se arrependa de ir reportar algum caso de racismo e pedir ajuda. Você não tem direitos.
OM: Como você compara a Grécia de hoje com a Grécia de 22 anos atrás, quando você chegou?
HK: A diferença é muito, muito grande. Quando chegamos, não tínhamos documentos. Não havia legislação específica para imigrantes. Era tudo muito novo para os gregos. Eles começaram a aceitar imigrantes, mas antes eles próprios eram os imigrantes. Quando outros países fecharam as portas, como França e Inglaterra, a única opção era a Grécia. Ficamos sem visto. Se a polícia pegasse, deportava. Mas a sociedade grega era muito carinhosa, e eles nos abraçaram. Éramos diferentes: minha mãe e eu usávamos hijab, eles sabiam que éramos muçulmanos, e mesmo assim nos ajudaram muito no começo a aprender o grego.
Na universidade, os professores eram ótimos e tentaram ajudar muito estudantes imigrantes. Isso que não tínhamos documentos! A polícia chegou a parar meu pai, e quando soube que tinha família na Grécia, ajudaram-no a fugir da fiscalização. Até a polícia era amiga. Agora temos o oposto. Temos documento e alguns direitos, mas a sociedade é muito fria conosco. Eles têm medo. Eles estão distantes. Eu entendo que muitos imigrantes tenham vindo, mas eles precisam saber que isso que está acontecendo não é culpa dos imigrantes. Agora, se você perguntar a eles [imigrantes] se querem ir embora, a primeira coisa que vão dizer é que sim. Só faltam os documentos. Eu já disse que se Atenas quer se ver livre dos imigrantes só precisa dar a eles residência por um mês. E eles irão desaparecer. A Grécia está protegendo as fronteiras de outros países e isso fez dela uma grande prisão.
OM: Há solução?
HK: Acho que o melhor caminho seria dar residência para que possam sair, ou facilitar os trâmites de aplicação por asilo. Se eles conseguirem qualquer tipo de papel, eles podem ir para outros países. Não vou dizer que outros países queiram aceitar essas pessoas, mas eles podem, como Alemanha, Suécia, Dinamarca e Noruega. No Reino Unido é difícil conseguir papéis. Mas, principalmente, não vejo como solução ficar na Grécia.
OM: Como as regras impostas pela Troika afetam a vida dos imigrantes?
HK: Se elas fizerem a vida dos gregos mais difícil, vão complicar a nossa vida em dobro.
Opera Mundi
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