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quarta-feira, 15 de junho de 2016

EUA: por que as elites odeiam Trump


Batalhas em torno da candidatura de Trump revelam as tensões que subjazem ao projeto capitalista global comandado pelos EUA

Cruz e Kasich estão fora. O Donald está dentro. Nem a brigada do #TrumpNunca; nem a estratégia de dividir para governar do Partido Republicano, dividido logo ele mesmo, para começar; nem os aparentemente infindáveis tropeções retóricos do próprio Trump, nada disso conseguiu deter o homem.

Até aqui, só as repetidas e sempre calmíssimas 'avaliações' dos 'especialistas', de que Trump não vencerá em novembro, parecem ainda impedir que o mundo venha abaixo.

Comentaristas ocupam-se sem parar com detonar uma a uma as razões para algum inimaginável sucesso de Trump. Mas, além do perturbador apetite que os eleitores republicanos manifestam pelo impulso racista, xenófobo, misógino de Trump, estão em ação aí também outros fenômenos.


Nate Cohn, do New York Times lista o grande número de candidatos Republicanos (17); o comportamento estranho de Republicanos nos estados tradicionalmente azuis; a cobertura ininterrupta da mídia; e o fracasso da elite do establishment Republicano, que absolutamente não conseguiu agir como partido organizado e não se uniu contra Trump.

Christopher R. Barron nota, com sensibilidade, que dados de pesquisa das primárias mostram que os Republicanos estão irritadíssimos com a prática, que já se converteu em 'tradição', de o partido deles sempre acabar por trair os valores conservadores.

E Thomas Frank fez belo trabalho, ao fazer ver aos esquerdistas liberais enrustidos que Trump realmente fala de coisas que realmente dizem respeito aos trabalhadores norte-americanos, como os tratados ditos 'de livre comércio' que destroem empregos nos EUA; e o medo – que já tem raízes fundas –, de que a boa-vida (pelo menos, a boa-vida dos trabalhadores brancos) já é passado remoto nos EUA.

Mas é preciso propor outra pergunta, diferente: por que a elite norte-americana tem tanto medo de um governo Trump?

Todas as pesquisas põem os milionários firmemente plantados no Campo Hillary. E como Corey Robin discutiu ontem (e Doug Henwood documentou), os Republicanos estão tão furiosos com Trump que já estão pulando do navio ou, pelo menos, já ameaçam pular.

Alguns, como o ex-governador de New Jersey Christie Whitman, dizem que votarão em Clinton; outros, como o governador de Massachusetts Charlie Baker, declararam quarentena contra as duas casas. Charles Koch manifestou profundo incômodo contra a candidatura de Trump, a qual, para ele "destruirá a sociedade livre".

Mas será que as ideias de Trump – uma muralha estratosférica ao longo da fronteira EUA-México, seus planos para cadastrar todos os muçulmanos, a propensão a desmoralizar e ofender as mulheres – seriam realmente excessivas, para a sensibilidade republicana? 

Talvez sejam. Mas a muralha na fronteira – de fato e como ideia – nada tem de novidade nos EUA. É ideia que já circula pelo menos desde o governo Nixon, e foi muito promovida depois do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (ing. North American Free Trade Agreement, NAFTA). Imigrantes muçulmanos (inclusive não muçulmanos chegados de países predominantemente muçulmanos, como Bangladesh) já foram obrigados a registrar-se no Departamento de Segurança Interna (ing. Homeland Security) depois do 11/9. E, por mais que a franqueza de Trump crie embaraços para a gangue do jet-set norte-americano, muitos de seus pontos de vista são amplamente partilhados por outras elites norte-americanas.

O que se vê contudo é que tampouco os embaraços conseguem explicar o desdém que Trump recebe do establishment. A chave de todo esse incontrolável Trump Terror pode estar em outros dos itens da campanha eleitoral do candidato.

Como Thomas Frank apontou há meses, Trump e Bernie Sanders são os únicos dois candidatos a falar seriamente e regularmente sobre acordos de livre comércio e a perda de postos de trabalho associada a eles.

Trump chama o acordo NAFTA de "o pior tratado comercial de todos os tempos" e prometeu "consequências graves" contra empresas que mudem suas fábricas para outros países, mas continuem a aproveitar as vantagens do mercado norte-americano.

E advoga confronto direto com a China, a ser "imediatamente declarada manipuladora de moedas"; e quer "reforçar a presença militar dos EUA nos mares do Sul e do Leste da China, para desencorajar o aventureirismo chinês". 

Há mais. Em recente "discurso sobre a política exterior", Trump expôs um papel muito diferente para os EUA no cenário global. Condenou os desaforos que os EUA têm recebido no exterior – em visitas a Cuba e à Arábia Saudita, Obama não foi recebido na saída do avião pelos líderes principais; os EUA perderam a disputa para ser sede dos Jogos Olímpicos, apesar de Obama ter ido pessoalmente a Copenhagen; e a "lista de humilhações continua e continua". 

Segundo Trump, tudo começou a cair ladeira abaixo depois que o país venceu a Guerra Fria. Para fazer que os EUA voltem à grandeza de antes, é preciso focar nos próprios EUA – e usar todos os meios necessários para garantir-lhe poder e honra.

Claro, Trump não é o único candidato a optar pela via de desqualificar a China ou lamentar a atual situação geopolítica. Mas quando quem o faz é gente como Hillary Clinton ou Marco Rubio, são só encenações, piscadelas, sim-sim-sim, tudo muito fácil de dizer. Essa gente é a elite do poder. São previsíveis. A elite do poder sabe onde estão suas alianças.

Também se sabe, mais ou menos, onde estão as alianças de Trump. Quer preservar o seu dinheiro e fazê-lo render (um de seus planos e baixar os impostos sobre empresas.) Mas ele não é a elite do poder – é outsider bilionário, sim, mas nem por isso menos outsider.

É imprevisível e parece não se preocupar com queimar pontes. Quando fala de romper acordos comerciais e de despachar aliados na OTAN, o establishment fica nervoso.

Todos ali levam a sério essas ameaças, porque Trump é atirador solitário – e atirador solitário que já teria sido varrido do mapa se as coisas tivessem andando como andam normalmente.

As elites se consolam com o fato de que Trump não conseguirá fazer tudo que ostensivamente quer fazer. Mas mesmo assim se sobrassaltam, porque Trump terá muito mais poder como presidente do que ensinam os livros de Educação Moral e Cívica para a 5ª série nos EUA.

Acadêmicos como Nitsan Chorev e outros já mostraram que decisões de política internacional e de política econômica nacional foram aos poucos, nos últimos setenta anos, transferidas do Congresso para o Executivo.

E por mais que Trump esteja certo na avaliação de que a política exterior dos EUA é "completo e total desastre", o papel de Washington é muito maior do que suas ações de construção da nação e diplomacia.

O híbrido Tesouro & Federal Reserve dos EUA tem a função de superintendente da economia global – e desde o final da 2ª Guerra Mundial. Faz a gestão (com a ajuda das elites globais) de uma estrutura internacional de comércio, regulação e lucratividade que subjaz a toda a economia global. O capitalismo global carece de um estado para assegurar as estruturas e fazer valer as leis e regras que tornam possível a acumulação capitalista. O híbrido Tesouro dos EUA e Fed fazem esse papel.

Onde Trump vê fracasso na trajetória do pós-Guerra Fria, o capital norte-americanos e respectivos políticos eleitos – pelo menos até recentemente – veem sucesso. Veem um projeto neoliberal vitorioso que restabeleceu o poder do big business à custa da classe trabalhadora, tanto nos EUA como em outros países, e construiu novas estruturas de integração global, e construir novas estruturas de integração global, subjugando mais e mais países às prerrogativas do capital.

E veem essas estruturas se solidificarem e aprofundarem-se no futuro, com projetos como a Parceria Trans-Pacífico e a Parceria Trans-Atlântico para Comércio e Investimento.

Por isso a irreverência e os ataques de Trump contra elementos centrais desse projeto é tão insuportável para eles. A atitude de Trump põe em risco todas as estruturas e práticas e normas que sustentam 'os negócios de sempre' para o capital global.

Mas, por mais que seja alarmante para as elites, o tom bombástico de Trump contra o 'livre-comércio' não é surpresa. Não é de hoje que cresce o ceticismo quanto ao papel dos EUA na gestão de toda a economia global.

O capitalismo global torna-se mais volátil a cada instante; como Sam Gindin e Leo Panitchdizem, ultimamente o principal serviço do Fed-Tesouro parece ser fazer a faxina dos restos. Houve 72 crises financeiras em países de baixa e média renda, só nos anos 1990s.

Os EUA ajudaram a gerir todas elas, seja mediante empréstimos-ponte silenciosos, pela porta dos fundos, ou à luz do sol, mediante o Fundo Monetário Internacional, FMI. E a crise financeira de 2008 alcançou o ápice: custou trilhões, até amainar. Mas até aí, o custo dessa contenção é meramente pecuniário. 

A candidatura Trump chama a atenção para a tensão palpável entre a responsabilidade do Estado norte-americano para com sua própria população soberana, e os deveres que o mesmo Estado tem, na supervisão da economia global.

Nicole M. AschoffJacobin Magazine

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


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